O debate jurídico se limita a saber se o representante legal da empresa contratante de empreitada, pode ser responsabilizado pelo desabamento culposo ocorrido na obra tocada pela construtora contratada, que deu azo à morte de um de seus funcionários. Cabe ressaltar, de início, que se trata de delito que tem por bem jurídico tutelado a incolumidade pública, particularmente o perigo comum que pode decorrer da conduta proibida. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, mesmo o dono do imóvel que sofre o desabamento. Imputa-se ao representante, no caso, a prática do delito na modalidade culposa, quando o desabamento ou desmoronamento resulta da não observância, pelo sujeito ativo, do dever de cuidado necessário. Ressalte-se que a solução da controvérsia está voltada à caracterização do nexo de causalidade – elementar do tipo culposo estabelecida no art. 13, caput, do Código Penal. Segundo concepção doutrinária e jurisprudencial dominante, a teoria eleita pelo Estatuto Repressor para explicar a constatação do fenômeno causal é a Teoria da Equivalência das Condições, também conhecida como Teoria da Causalidade Simples ou Teoria da conditio sine qua non, ressalvada a limitação estampada no § 1º do mesmo dispositivo, que teria excepcionalmente previsto a teoria da causalidade adequada para hipótese restrita da superveniência de causa independente. Trata-se de teoria de cunho empírico naturalista, que pode ser classificada como generalizadora, é dizer, não promove hierarquia entre as condições que antecedem um resultado, tratando todas as causas como de igual valor. Assim, segundo essa linha de pensamento, causa nada mais é do que a condição (ação/omissão) sem a qual o resultado não teria ocorrido tal como ocorreu. Tudo aquilo que efetivamente contribuiu, in concreto, para o resultado, é tido por causa. A maior crítica enfrentada por esta teoria sempre foi a necessidade de estabelecer um limitador, de maneira a se identificar com segurança se certa conduta foi realmente determinante para ocorrência do resultado. Nessa perspectiva, o aperfeiçoamento da relação causal é ditado pelo método da eliminação hipotética dos antecedentes causais, desenvolvido por Thyrén. Em breves linhas, no campo mental da suposição ou da cogitação, o aplicador deve proceder à eliminação da conduta para concluir pela persistência ou desaparecimento do resultado. Em outras palavras, uma ação ou omissão será considerada como causa do evento sempre que, suprimida mentalmente do contexto fático, o resultado tenha deixado de ocorrer tal como ocorreu. Por óbvio, a concepção pura da teoria não é ratio a ser empregada no sistema penal vigente. Absorvendo as críticas sofridas pela doutrina especializada, fez-se imperioso, em mais uma oportunidade, o aperfeiçoamento do fenômeno causal, de maneira a se evitar o regresso da causalidade a condutas que, por certo, não estariam incluídas entre aquelas que efetivamente concorreram para o dano ao bem jurídico tutelado. Nesse compasso, buscando uma restrição ainda maior da causalidade, ganhou força a ideia de limitar o liame entre conduta e resultado por intermédio do elemento anímico ou subjetivo de que imbuído o agente, o que se convencionou chamar de causalidade psíquica (imputatio delicti). Palmilhando por essa linha de intelecção, o juízo de verificação da causalidade não pode retroceder ou retornar às condições que temporalmente precederam à posterior atuação típica culposa ou dolosa de outrem, a qual teria o condão de interromper o nexo causal iniciado pelo primeiro interveniente. Em outros termos, para evitar a responsabilidade de certas condutas antecedentes que contribuíram para o resultado, a doutrina clássica analisa o dolo e a culpa como limites da responsabilidade. As questões são resolvidas com o tipo subjetivo e não com o objetivo. Assim sendo, duas operações devem ser realizadas para explicitar o modelo causal: em primeiro lugar, identifica-se a imputação objetiva do evento (causa); num segundo plano, testa-se a imputação subjetiva (dolo/culpa). A responsabilização penal do agente dependerá de sua voluntariedade (dolo ou culpa) em relação à provocação do resultado. Nesse viés, inviável a atribuição de responsabilidade ao representante legal da sociedade empresária contratante de empreitada. Se é certo que existe o dever objetivo de cuidado de prover para que a obra seja realizada sem a intercorrência de infortúnios, este deve ser endereçado aos agentes da empresa responsável pela construção, ou a outros terceiros que tenham efetivamente interferido no curso causal (sempre lembrando que em nosso sistema não se atribuiu a prática de ilícitos penais a pessoas jurídicas, ressalvados os casos de crimes ambientais). De outra banda, também não se mostra factível a identificação de nexo jurídico ou de evitação, de forma a se adjetivar a posição do acusado como garante, imputando-lhe omissão penalmente relevante (art. 13, § 2º, do CP). Não havia no caso analisado, ou ao menos não foi narrado pela exordial, o dever legal de agir, a assunção voluntária de custódia ou mesmo a ingerência indevida do acusado sobre a consecução da obra em epígrafe. Em conclusão, se de um lado não se pode imputar de forma direta qualquer resultado penalmente relevante ao representante legal da sociedade contratante, dada a ausência de causalidade psíquica, de outro não cabe falar em omissão imprópria, considerando a não qualificação do agente como garantidor. Por conseguinte, a ação penal intentada deve ter seu prosseguimento obstado em face da atipicidade da conduta.
Decisão publicada no Informativo 601 do STJ - 2017
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